Cinco anos depois, heróis e vilões do mensalão adotam a discrição
Delúbio Soares e sua mala passam pelo Congresso, em 2009: "Não falo com jornalistas"
Os protagonistas do maior escândalo do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva já não querem os holofotes das CPIs, do plenário da Câmara e da mídia. Uns se esforçam para ganhar uma nova visão diante de seus pares e da opinião pública. Mas cinco anos após a denúncia do mensalão, eles querem mesmo não ficar marcados em definitivo pelo tema que ainda está sob análise do STF (Supremo Tribunal Federal).
Na turma dos raros notoriamente marcados pelo mensalão, o empresário Marcos Valério de Souza, suposto emissário do esquema de repasses ilegais, e o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares evitam tratar do assunto publicamente. Em comum, eles têm a filosofia “não falo com jornalistas”. Também não se falam mais, dizem seus advogados.
Valério, que deu gênese ao mensalão petista em 1998 quando, em Minas Gerais, implantou sistema parecido para o PSDB, se esforça para reerguer seu patrimônio – no auge da crise ele era de cerca de R$ 16 milhões. Tem uma empresa de consultoria em Belo Horizonte e deixou o ramo de publicidade que o enriqueceu.
“Mas não é como antes, ele claramente foi bastante afetado nas suas posses”, disse o advogado do empresário, Marcelo Leonardo. “Se depender de mim, ele não vai dar uma palavra à imprensa até o fim das investigações”, afirmou, referindo-se ao processo a ser julgado pelo STF, presumivelmente, até 2012.
Delúbio não vive mais na luxuosa Alameda Jaú, zona nobre da capital paulista: voltou para Goiás e, com domicílio eleitoral na pequena Buriti Alegre, se esforça para discutir o governo Lula em seu site na internet. Continua desenvolto em reuniões do PT – embora tenha sido o único expulso do partido por conta dos crimes eleitorais denunciados pelo presidente do PTB, Roberto Jefferson.
Muitos dos ex-colegas o consideram um injustiçado, por ter assumido integralmente a culpa pelo caixa dois da eleição de 2002 praticado pelo partido. Embora pudesse tentar um retorno ao PT e buscar eleição para a Câmara dos Deputados, Delúbio desistiu para não acirrar as críticas contra sua candidata à Presidência, a ex-ministra Dilma Rousseff.
Meio a meio
Os dois principais oponentes durante a crise do mensalão são heróis notórios para os seus partidos, mas adversários ferrenhos de todos os outros. Por conta dessa polarização, ambos têm evitado uma atuação política desenvolta nos últimos anos. Sem instintos primitivos, José Dirceu e Roberto Jefferson seguem na ativa.
O ex-ministro-chefe da Casa Civil e deputado cassado atua na advocacia. Embora se esforce para manter a discrição em seus trabalhos – raramente revela os clientes aos quais presta consultoria –, os nomes deles várias vezes surgem na imprensa. Diz que não fala com Lula desde que deixou o governo, em 2005, mas muitos petistas dizem duvidar disso, embora eles tenham relação mais política do que de amizade.
Ainda presidente do PTB, Jefferson se esforça para deixar para trás a imagem de delator do esquema de corrupção. Livrar-se dessa lembrança e da de sua atuação como líder da tropa de choque do ex-presidente Fernando Collor, senador neopetebista, não tem sido uma tarefa fácil, admite o ex-deputado, também cassado. Ele evita confrontar os colegas ainda aliados de Lula.
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Outros dois petistas proeminentes, o ex-presidente do partido José Genoino e o ex-secretário de Comunicação Luiz Gushiken também optaram pela discrição. Mesmo eleito deputado federal, Genoino evita holofotes. Gushiken não dá entrevistas.
Jefferson, Dirceu, Delúbio, Valério, Genoino e Guskiken estão entre os 40 denunciados pelo Ministério Público em abril de 2006 por envolvimento no caso. O procurador-geral da época, Antonio Fernando de Souza, se referiu ao grupo como "organização criminosa", mas a mais alta corte do país ainda não se pronunciou.
Vítimas do sucesso
Os dois parlamentares que comandaram a CPI dos Correios, que centralizou as investigações sobre o caso, passam longe do destaque que obtiveram na época. O senador Delcídio Amaral (PT-MS) e o deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR) passaram a enfrentar mais resistência interna e ainda sofrem com desconfiança dos colegas que integram a base do governo Lula.
Filiado ao PSDB no início de sua trajetória, Delcídio, que presidiu a CPI, avalia cinco anos depois que demorou até os petistas entenderem seu papel na crise de 2005. Interlocutores ligados a Lula dizem que o presidente teria dificuldades para se engajar em uma campanha do senador para o governo do Mato Grosso do Sul, limitando suas possibilidades dentro da sigla.
“Depois dessa experiência, tive projeção para mostrar que podia ser um parlamentar importante para o governo e para o partido, principalmente nos debates sobre infraestrutura”, afirmou Delcídio ao UOL Notícias. “Tive mais dificuldades no partido, até que efetivamente entendessem o trabalho. Sofri os reflexos imediatos disso. Mas serviu de lição.”
O senador diz que aquele foi “o momento mais difícil da vida”, por conta das ameaças a sua família e a ele próprio. Mas garante que tem boa relação tanto com a oposição como com os investigados daquele período, muitos deles seus colegas de partido. “É uma ligação de respeito, amistosa. Depois eles compreenderam bem. Eles sabem separar as coisas. Quando acabou, minha vida voltou ao normal: sou discreto.”
Discrição é também a palavra chave para Serraglio, relator da CPI dos Correios, depois do fim das investigações. Pressionado por todos os lados para produzir um texto sobre os mensalões do PT e do PSDB, ele diz que acreditou em uma mudança de comportamento no Congresso depois de seu trabalho.
“Primeiro foi uma festa, me jogaram para o ar porque o trabalho era muito sólido. Meses depois, fiquei decepcionado: surgiu o escândalo dos aloprados”, disse ele, referindo-se à suposta compra de um dossiê anti-tucano por petistas. “Era de se esperar que nunca mais acontecesse isso de mala de dinheiro. Mas não demorou um ano para, de novo, surgir esse assunto. Fiquei bastante desapontado.”
Cotado para ser candidato à Presidência da Câmara nas eleições de 2007 e 2009, o peemedebista afirmou que “essas decisões, como as pautas, acontecem por meio das lideranças”. “Com esse povo vai toda a boiada”, diz. “É difícil romper com isso. Eu consegui, porque fui eleito 1º secretário contra todo o sistema. Mais do que isso parece difícil, embora eu acredite no Parlamento.”
Sobre o perfil discreto depois de todos os holofotes que recebeu, Serraglio resume: “Procurei não mudar nem naquela época. Nunca procurei a imprensa. É uma forma minha, estranhariam se virasse um papagaio de pirata. A CPI me deu visibilidade e ainda hoje alguns perguntam na rua se era eu combatendo o mensalão. Isso é o suficiente para dizer que valeu a pena. Os que cumprimentam pensam como a gente.”
Fonte: www.oguaira.com.br
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